sábado, 19 de dezembro de 2009

Quatro coisas - Gilberto Gil

Vou lhe dizer
Quatro coisas essenciais
A primeira é que o nosso amor
Não irá terminar jamais

A outra é
Que a memória de amor igual
É possível que esteja até
Na história de outro casal

Número três
Mesmo que exista por aí
Outra história de amor assim
Não sera como foi pra nós

A quarta então
Tranquilize seu coração
Nosso amor virou pedra e não
Temos força pra quebrar não

Pra ouvir: http://www.gilbertogil.com.br/sec_disco_interno.php?id=56

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

suite beatlove

I just can't get you out of my head
Boy your love is all I think about
I just can't get you out of my head
Boy it's more than I dare to think about

I just can't get you out of my head
Boy your love is all I think about
I just can't get you out of my head
Boy it's more than I dare to think about

can't get you out of my head
love is all I think about

I kissed a girl and I liked it
the taste of her cherry chapstick
I kissed a girl just to try it
I hope my boyfriend don't mind it
It felt so wrong
It felt so right
Don't mean I'm in love tonight
I kissed a girl and I liked it
I liked it

Us girls we are so magical
Soft skin, red lips, so kissable
Hard to resist so touchable
Too good to deny it
Ain't no big deal, it's innocent
[]
Pretty woman stop a while
Pretty woman talk a while
Pretty woman give your smile to me
Pretty woman yeah, yeah, yeah
Pretty woman look my way
Pretty woman say you'll stay with me
[]
Dreams last so long
Even after you're gone
I know you love me
And soon you will see
You were meant for me
And I was meant for you
[]
When I read the letter you wrote me it made me mad, mad, mad.
When I read the words that it told me it made me sad, sad, sad.
But I still love you so, I can't let you go.
Ooh, baby I love ya. Ay!
[]
It took all the strength I had
Not to fall apart
And trying hard to mend the pieces
Of my broken heart.

And so you felt like droppin' in
And just expect me to be free,
But now I'm savin' all my lovin'
For someone who's lovin' me!

[]
Can't read my,
Can't read my,
No he can't read my poker face

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Suíte Correnteza - Geraldo Azevedo

(Barcarola do São Francisco)


É a luz do sol que encandeia
Sereia de além mar

Clara como o clarão do dia
Mareja o meu olhar

Olho d'água, beira de rio
Vento, vela a bailar

Barcarola de São Francisco
Me leva para lá

Era um domingo de lua
Quando deixei Jatobá

Era quem sabe a esperança
Indo à outro lugar

Barcarola de São Francisco
Velejo agora no mar

Sem leme, mapa ou tesouro
De prata ou luar

(Talismã)

Diana me dê um talismã,
talismã
Viajar,
você já pensou ir mais eu
viajar
Quando o sol desmaiar
vou viajar
Olha essa sombra,
esse rastro de mim

Olha essa seta,
essa réstia de sol

morena

(Caravana)

Corra, não pare não pense, demais
Repare essas velas no cais
Que a vida é cigana

É caravana
É pedra de gelo, ao sol
Degelou teus olhos tão sós,
num mar de água clara

Corra, não pare não pense, demais
Repare essas velas no cais
Que a vida é cigana

É caravana
É pedra de gelo, ao sol
Degelou teus olhos tão sós,
num mar de água clara

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Suite Bahia

Vagão de trem no trilho
batuque de unha
sussurro:

Ô Bahia
Bahia que não me sai do pensamento...
(...)

Ô Bahia
Faço o meu lamento, ô
Na desesperança, ô
De encontrar nesse mundo
Um amor que eu perdi na Bahia, vou contar

(vagão até formar compasso de samba)

Quando eu penso na Bahia
Nem sei que me dor que me dá
Ai me dá, me dá me da ioiô
Ai me dá, me dá me da iaia

Se eu pudesse qualquer dia
Eu ia de novo pra lá
Não va, Não va, Não va ioio
Eu vou, eu vou, se vou iaia...

Eu deixei lá na Bahia
Um amor tão bom, tão bom ioiô
Meu Deus que amor
Que desse amor só quem sabia
Era a Virgem Maria
Nasceu cresceu e lá ficou

Mas quem sabe se esse amor
Que ficou lá na Bahia, oi
Já se acabou
(...)

Silêncio, pessoas, alarmas

(Aéroport Charles de Gaulle 1, Terminus)
Passos, passadas, ritmo
voz em sussurro até Bahia)


Na Baixa do Sapateiro eu encontrei um dia
A morena mais frajola da Bahia

Pedi-lhe um beijo, não deu
Um abraço, sorriu
Pedi-lhe a mão, não quis dar, fugiu


Bahia, terra da felicidade
Morena, eu ando louco de saudade
Meu Senhor do Bonfim
Arranje outra morena igualzinha pra mim

(ponto de candomblé)

Oh! amor, ai
Amor bobagem que a gente não explica, ai ai
Prova um bocadinho, ô
Fica envenenado, ô
E pro resto da vida é um tal de sofrer
Ôlará, ôlerê

(silencia o Rum para a jura)

Juro por Deus, pelo Senhor do Bonfim
Quero você baianinha inteirinha pra mim
Mas depois, o que será de nós dois
Seu amor é tão cruel, enganador

Tudo já fiz, fui até um canjerê
Pra ser feliz, meus trapinhos juntar com você
Mas depois, vai ser mais uma ilusão
No amor quem governa é o coração

Vagão de trem no trilho
batuque de unha
sussurro:

Ô Bahia
Bahia que não me sai do pensamento...

Voz metalica: Concorde
attention à la marche en descendant du train!


Na baixa do sapateiro
No tabuleiro da baiana
Quando eu penso na Bahia

(Ary Barroso)
Efeitos Sonoros
RATP - Metro de Paris

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Tchau, celulinho

Estou aqui na Unifacs lendo revistas de administrador e o primeiro conto de "omo piratearam minha vida" quando na verdade deveria estar estudando. A novidade é que, vendo todas essas revistas de tecnologia, cheguei a uma previsão bastante clara. Daqui a dois anos, muito provavelmente meu celular estará aposentado. Não o aparelho que agora está lá em casa, descarregado e descansando, talvez o meu número também não. Acho que daqui a dois anos não terei nenhum celular. Uma possibilidade: Existe tecnologia para pegar qualquer aparelho, fixo, portátil ou virtual, discar um código e acessar o perfil que um número de telefone na verdade é. Se isto for barato, prático e universal, provavelmente salvará o faz-me-geraldo meu celular. Aos fatos. Além de comunicação, há outros C's, diz ali a HSM Manage,ent de não sei que dia, que se tornaram função do tal aparelho. Comunidade, criação, conectividade. Senhoras e senhores, nunca acessei internet pelo meu celular, nunca li e-mail pelo meu celular e substitui o doutorzinho pela câmera fotográfica na função de fotografar. Além disso, sociologicamente, esquecer sistematicamente o paradeiro ou a carga da bateria do dito me fez perceber grande parte de sua inutilidade. Prefiro um tamagochi que mande sms, ou um notebook que não descarregue. Sociologicamente, coisas de mais de cem Reais estão me fazendo pensar bastante. Sociologicamente, coisas que causam distinção estão me fazendo pensar bastante. Faz mais de dez anos que compro tênis que custam 50 reais, eles continuam lá, existindo. Preciso urgentemente desse conceito para hardwares (e restaurantes).


A conclusão do celular vem do desenvolvimento de outras bases de comunicação e da corrida consumista por aparelhos convergentes, por isso é fácil dizer que, desaparecendo ou não, ele vai diminuir de importância ou exponenciar suas funções. O drama fica pior quando leio sobre os montadores independentes de Detroit, que devem superar as expectativas de Obama em 2015, e a corrida pelo carro elétrico/híbrido. Por ora parece que vamos perdendo o raio laser mais barato, mas há luz no fim do túnel. Antes de 2020 vamos poder comprar um. Já é possível comprar um em alguns lugares do mundo, mas em 2020 será mais barato e mais globalizado, pois esses carros deverão estar nas grandes montadoras em larga escala. Talvez tarde demais. E que venham com computador de bordo, s'il-vous-plaît, porque skype é o que hará.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Ela voltou a escrever

De vez em quando eu leio blogs (outros blogs, dindinha, além do meu e do seu). Vou tateando por ai entre o "te dou um dado", "bobagento", "aoe", "kibeloco" etc. Não vejo mais o Chongas que eu gostava, pq ele não precisa de mim, nenhum blog precisa de nosotros nordestinos, eu entendi. Era pra dizer que lendo um desses agora, o dito diz la que sua esposa "voltou a escrever", como se ela fosse paralitica do braço e... ups! voltou a escrever.

Michele de vez em quando me sai com essa, justo quando eu estou ali batucando um samba mudo, ai eu paro e vou fazer pipoca, mais três meses. é que nosotros estamos escrevendo desde o príncipio dos tempos, só paramos um pouquinho para o lanche.
Quem escreve às vezes tem um narrador falando ao pé do ouvido, às vezes tem um amigo imaginário dadaísta, às vezes um abismo e a repetição do eco. Não importa, quem apalavra pára no ins"tante que tan"ge o berimbau e salta do samba para a roda, da roda para os movimentos, da meia lua para outro samba. Escrever, como se deixa rastros, no papel, é a última etapa, é a solidificação de algo no ar.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

chico, o moço - Tom, o Macuco.

Este vai ser um post longo.
1)
para Chico Buarque Letra e Música - 1989

Carta ao Chico
Chico Buarque meu herói nacional
Chico Buarque gênio da raça
Chico Buarque salvação do Brasil

A lealdade, a generosidade, a coragem.
Chico carrega grandes cruzes, sua estrada é uma subida pedregosa.
Seu desenho é prisco, atlético, ágil, bailarino.
Let´s dance! Eterno, simples, sofisticado, criador de melodias bruscas,
nítidas, onde a Vida e a Morte estão sempre presentes, o Dia e a Noite, o
Homem e a Mulher, Tristeza e Alegria, o modo menor e o modo maior,
onde o admirável intérprete revela o grande compositor, o sambista, o
melo inventivo, o criador, o grande artista, o poeta maior, Francisco
Buarque de Hollanda, o jogador de futebol, o defensor dos desvalidos, dos desatinados, das crianças
que só comem luz, que mexe com os prepotentes, que discute com Deus e mora no coração do povo.
Chico Buarque Rosa do Povo, seresteiro poeta e cantor que aborrece os tiranos e alegra a tantos,
tantos...
Chico Buarque Alegria do Povo, até seu foxtrote é brasileiro.
Zonoi Norte, Malandragem, Noel Rosa, Sivuca, Neruda, Futebol, tudo canta na tua inesgotável Lyra,
tudo canto no martelo.
Bom Tempo, Bota água no feijão, Pra ver a banda passar, Vem comer, vem jantar, menino Jesus, dia
das mães, vou abrir a porta. Deus; Pai, afasta de mim este cálice de vinho tinto de sangue. Chico
também não evitou assuntos escabrosos, sangue, tortura, derrame, hemorragia...
Houve um momento em que temi pela tua sorte e te falei, mas creio que o pior já passou.

Chico Buarque homem do povo
Fla Flu, calça Lee, carradas de razão
Mamão, Jacarandá, Surubim
Macuco não, Pierrot e Arlequim
Você é tanta coisa que nem cabe aqui
Inovador, preservador, reencarnado, redivivo
Mestre da língua
Cabelos negros
Olhos de gatão selvagem
Dos grandes gatos do mato
Olhos glaucos, luminosos
Teu sorriso inesquecível
Ó, Francisco, nosso querido amigo
Tuas chuteiras caminham numa estrada de pó e esperança

Tom Jobim

New York, outubro de 1969

2)
Uma das coisas mais emocionantes - corta: uma das coisas desse tipo, o Rio e o Sol e o Amor emocionam, mas não são coisas desse tipo - que vi nos últimos tempos foi Chico falando da amizade com Tom Jobim e desses quase quinze ou quinze anos de sua subida ali pro Cristo. Chico falava do amor de Tom pelo Jardim Botânico do Rio, como ele dominava os nomes de tudo ali, como era seu consultor para assuntos da fauna e da flora, entre outras coisas. Ai tem a história do macuco. Macuco, o bicho, que os jornais trocavam por macaco quando aparecia nas cartas e notas de Tom, que os censores mudavam nas peças, que ninguém sabe direito o que é. Macuco vira maluco ou macaco, diz Chico. E diz das bebidas, das conversas, das companhias, de tudo da amizade deles, e se vê no fundo dos olhos azuis que é de verdade aquela dita saudade do amigo do outro lado do telefone, do outro lado da rua, do outro lado da mesa, pra falar do tempo do Jardim, dos malucos e dos macacos.

3) Por ocasião disso, olha o que eu encontrei e que ajuda na sua pesquisa, dindinha:
http://www.chicobuarque.com.br/sanatorio/censor.htm - Carlos Lucio Menezes, Ex-censor, concede entrevista ao site de chico buarque.

4)



5)

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Eu conheci os poemas aí de baixo indiretamente, e nunca larguei. Foi fazendo o Plano Cruzado, catando poesias menos populares, mais simbolistas. Navio, mar, sonho: Lembra o fado "barco negro" (dizem as velhas da praia que não voltas, são loucas). Tudo no repertório.

A Tour Saint Jacques está sem prteção, nós sempre a vimos com andaimes. Agora tenho saudades daquela imensa caixa branca no meio de Paris. A torre é bonita também. Mille télégrames de ce tout Paris qui nous fait si peur.

Reencontrei o verso de Besos, Lecho y Pan na música dos titãs (Go back, Acústico MTV - com Fito Páez). Também fez parte do Plano Cruzado, lembro do susto de Rita quando começamos a ler. Tudo no Repertório. Essas coisas significavam muito então, e ainda, mas é surpreendente como podem se acomodar ali no fundo do armário, na posta restante, milênios no ar.






FAREWELL

1

Desde el fondo de ti, y arrodillado,
un niño triste, como yo, nos mira.

Por esa vida que arderá en sus venas
tendrían que amarrarse nuestras vidas.

Por esas manos, hijas de tus manos,
tendrían que matar las manos mías.

Por sus ojos abiertos en la tierra
veré en los tuyos lágrimas un día.

2

Yo no lo quiero, Amada.

Para que nada nos amarre
que no nos una nada.

Ni la palabra que aromó tu boca,
ni lo que no dijeron las palabras.

Ni la fiesta de amor que no tuvimos,
ni tus sollozos junto a la ventana.

3

(Amo el amor de los marineros
que besan y se van.

Dejan una promesa.
No vuelven nunca más.

En cada puerto una mujer espera:
los marineros besan y se van.

Una noche se acuestan con la muerte
en el lecho del mar.

4

Amo el amor que se reparte
en besos, lecho y pan.

Amor que puede ser eterno
y puede ser fugaz.

Amor que quiere libertarse
para volver a amar.

Amor divinizado que se acerca
Amor divinizado que se va.)

5

Ya no se encantarán mis ojos en tus ojos,
ya no se endulzará junto a ti mi dolor.

Pero hacia donde vaya llevaré tu mirada
y hacia donde camines llevarás mi dolor.

Fui tuyo, fuiste mía. Qué más? Juntos hicimos
un recodo en la ruta donde el amor pasó.

Fui tuyo, fuiste mía. Tu serás del que te ame,
del que corte en tu huerto lo que he sembrado yo.

Yo me voy. Estoy triste: pero siempre estoy triste.
Vengo desde tus brazos. No sé hacia dónde voy.

...Desde tu corazón me dice adiós un niño.
Y yo le digo adiós.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

cecilia

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.

Canção


No desequilíbrio dos mares,
as proas giram sozinhas...
Numa das naves que afundaram
é que certamente tu vinhas.


Eu te esperei todos os séculos
sem desespero e sem desgosto,
e morri de infinitas mortes
guardando sempre o mesmo rosto


Quando as ondas te carregaram
meu olhos, entre águas e areias,
cegaram como os das estátuas,
a tudo quanto existe alheias.


Minhas mãos pararam sobre o ar
e endureceram junto ao vento,
e perderam a cor que tinham
e a lembrança do movimento.


E o sorriso que eu te levava
desprendeu-se e caiu de mim:
e só talvez ele ainda viva
dentro destas águas sem fim.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

terça-feira, 1 de setembro de 2009

a 0,45 horas tentando escrever algo com esta fome, esta vontade de não deixar repetido, de buscar aquela essência de escrever para o universo da internet e depender de uma conjunção astral, do google e de outras forças da natureza para encontrar leitores. O google é uma força da natureza como a conhecemos.

como sou mais um capitalista, meu provável único futuro escrevendo será pagar para alguém que me faça uma capa e transforme essas coisas escritas só sentindo num livro sem projeto. Não é a minha ambição, é meu maior provável futuro. antes disso, ou depois, se houver tempo lá, quem sabe a história de miguilim, a história de Catarineta na torre, a história de miguilim do sertão.

assim é que não há trabalho mesmo ordenado e direcionado, não tem tema nem leitor. Cada vez que mudo é pra mais mudo. talvez que não.

um poema

Azul
de mar a mais que tempo
de canto
céu de só aqui
este que eu vejo
azul de América

Azul que estava ali naquele dia
que inunda as bordas na fotografia.
Foi azul que eu vi.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Paula Correa

Foi bem assim quando tentei dizer adeus pela primeira vez.

Jeito de bicho do mato.

Arredio. Rasgando palavras.

Rasgando papel. Foi bem assim.

Coreografia da despedida.

Olhos no chão. Mãos vazias.

Pés fincados no tempo de esquecer o que não se esquece.

Medos, culpas e sonhos em um baú lacrado.

Silêncio. Noite escura.

Meia lua vestida de noiva.

Foi bem assim.

Máscara e tecidos.

************


Melhor não dizer muita coisa.

Mas o muita coisa faz questão de dizer-se.

Então eu sedo ao indizível que deseja virar matéria-palavra.

É difícil dizer não.

Foi assim... entrou pela porta da frente.

Sentou.

Falou duas palavras e já tinha virado semente.

Depois de uma semana, já era planta.

Já era jardim.

Então, como é que a gente não diz?

Tem mesmo é que dizer que ama e correr com este segredo pra longe daqui.




terça-feira, 25 de agosto de 2009

DRUMMOND


porque amou por que amou

se sabia

p r o i b i d o p a s s e a r s e n t i m e n t o s

ternos ou desesperados

nesse museu do pardo indiferente

me diga: mas por que

amar sofrer talvez como se morre

de varíola voluntária vágula evidente?

ah PORQUE AMOU

e se queimou

todo por dentro por fora nos cantos ecos

lúgubres de você mesm(o,a)

irm(ã,o) retrato espetáculo por que amou?

se era para

ou era por

como se entretanto todavia

toda via mas toda vida

é indignação do achado e aguda espotejação

da carne do conhecimento, ora veja

permita cavalheir(o,a)

amig(o,a) me releve

este malestar

cantarino escarninho piedoso

este querer consolar sem muita convicção

o que é inconsolável de ofício

a morte é esconsolável consolatrix consoadíssima

a vida também

tudo também

mas o amor car(o,a) colega este não consola nunca de nuncarás.

VALENCIA 2009

VALEU.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

O discurso que não foi

Carta de agradecimentos à turma de Arquitetura de 2009.1 - FAUFBA

Profa. Solange Araújo, Ilma. Sra. Diretora,
Senhores Pais, Ilmos. Paraninfos,
Prof. Guivaldo Baptista, Honrado Patrono da Turma
Prof. Marcos Queiroz, Prof. Homenageado com todos os méritos,
Novíssimos Arquitetos,
Senhoras e senhores presentes:


É com imensa alegria que recebo a homenagem da turma. A felicidade que vocês me proporcionam neste momento é uma prova de que o trabalho honesto e dedicado paga muito bem, e em moeda de mais valor do que qualquer metal.

Por uma sucessão de eventos, não pude estar presente nesta noite de festa. Peço desculpas pela ausência, mas aproveito para lembrar momentos que compartilhamos durante estes anos de convivência:

Lembrar as maratonas de matrículas ao lado de nossa querida Rosa;

Lembrar as demandas, processos, inclusões, exclusões, quebras disso, registro daquilo, carta daquilo outro, contratos, horários e até - quem diria? livros...

Lembrar os intercâmbios, antes, durante e depois. Os sonhos. Os seus e os meus, que pudemos sonhar alto, talvez por termos a mesma idade e pouca ou nenhuma cerimônia, talvez porque sonhos são assim mesmo, não se deixam aprisionar.

Ter vivido tudo isso é por si uma conquista. Ganhamos todos com o privilégio de estar em uma Universidade pública, ganhamos pelos valores que cultivamos, ganhamos pelo apoio mútuo em cada um desses momentos. Esta é, portanto, uma noite de vitórias e de vitoriosos: Famílias, amigos e nós todos, estudantes, funcionários e professores da Faculdade de Arquitetura celebramos o caminho percorrido até este momento especial.

Peço licença para fazer uma observação pessoal: Tendo ingressado na UFBA junto com alguns de vocês, esta é a primeira turma em que posso reconhecer os rostos que vi chegarem direto do colégio, cheios de dúvidas, de esperanças, agrupados em blocos de calouros amedrontados pelos anúncios de trotes, ansiosos pelas maquetes, encantados pelo novo mundo em que acabavam de colocar o pé, tão parecidos comigo do outro lado do balcão do Colegiado, ainda estudante, sem ter então idéia do que se passaria até esta noite. Valeu. Valeu também por aqueles que já estavam na Faculdade, que caminharam até aqui entre outras conquistas, outras batalhas, caminhos os mais distintos. Tenho assistido a grandes feitos e a demonstrações diárias de força de vontade e de determinação. Tudo isso vale muito, tenham certeza.

Peço licença também para me aventurar brevemente no mundo da Arquitetura. Se a Arquitetura é a profissão da vanguarda, é também a da necessidade mais básica – a moradia. É a profissão do trabalho, do templo, da cidade, do lugar, do não-lugar. É uma vocação admirável e um trabalho respeitável. Renova as esperanças ver que essa tarefa foi dada a vocês, que detêm a criatividade e a consciência necessárias para ligar as duas pontas da profissão e trabalhar por uma sociedade melhor, mais justa, mais ecológica, sadia, feliz e produtiva.

Mais uma vez, muito, muitíssimo obrigado. Desejo-lhes sucesso, bom tempo, saúde e que Deus lhes ilumine. Comemorem esta noite em grande estilo, e a vida depois dela com amor e merecimento.


Pedro Laurentino

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

20 anos blues

Ontem de manhã quando acordei
Olhei a vida e me espantei
Eu tenho mais de 20 anos
E eu tenho mais de mil perguntas sem respostas
Estou ligada num futuro blue
Os meus pais nas minhas costas
As raizes na marquise
Eu tenho mais de vinte muros
O sangue jorra pelos furos pelas veias de um jornal
Eu não te quero
Eu te quero mal
Essa calma que inventei, bem sei
Custou as contas que contei
Eu tenho mais de 20 anos
E eu quero as cores e os colirios
Meus delirios
Estou ligada num futuro blue
Os meus pais nas minhas costas
As raizes na marquise
Eu tenho mais de vinte muros
O sangue jorra pelos furos pelas veias de um jornal
Eu não te quero
Eu te quero mal
Ontem de manhã quando acordei
Olhei a vida e me espantei
Eu tenho mais de 20 anos

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Seven words you can't say on TV - Cômico Americano

I love words. I thank you for hearing my words.
I want to tell you something about words that I think is important.
They're my work, they're my play, they're my passion.
Words are all we have, really. We have thoughts but thoughts are fluid.
then we assign a word to a thought and we're stuck with that word for
that thought, so be careful with words. I like to think that the same
words that hurt can heal, it is a matter of how you pick them.
There are some people that are not into all the words.
There are some that would have you not use certain words.
There are 400,000 words in the English language and there are 7
of them you can't say on television. What a ratio that is.
399,993 to 7. They must really be bad. They'd have to be outrageous
to be seperated from a group that large. All of you over here,you 7,
Bad Words. That's what they told us they were, remember?
"That's a bad word!" No bad words, bad thoughts, bad intentions,
and words. You know the 7, don't you, that you can't say on television?
"Shit, Piss, Fuck, Cunt, CockSucker, MotherFucker, and Tits"
Those are the heavy seven. Those are the ones that'll infect your soul,
curve your spine, and keep the country from winning the war.
"Shit, Piss, Fuck, Cunt, CockSucker, MotherFucker, and Tits"
Wow! ...and Tits doesn't even belong on the list. That is such a friendly
sounding word. It sounds like a nickname, right? "Hey, Tits, come here,
man. Hey Tits, meet Toots. Toots, Tits. Tits, Toots." It sounds like a
snack, doesn't it? Yes, I know, it is a snack. I don't mean your sexist
snack. I mean New Nabisco Tits!, and new Cheese Tits, Corn Tits,
Pizza Tits, Sesame Tits, Onion Tits, Tater Tits. "Betcha Can't Eat Just
One." That's true. I usually switch off. But I mean, that word does
not belong on the list. Actually none of the words belong on the list,
but you can understand why some of them are there. I'm not
completely insensetive to people's feelings. I can understand why
some of those words got on the list, like CockSucker and
MotherFucker. Those are heavyweight words. There is a lot going on
there. Besides the literal translation and the emotional feeling.
I mean, they're just busy words. There's a lot of syllables to contend
with. And those Ks, those are agressive sounds. They just jump out at
you like "coCKsuCKer, motherfuCKer. coCKsuCKer, motherfuCKer."
It's like an assualt on you. We mentioned Shit earlier, and 2 of the
other 4-letter Anglo-Saxon words are Piss and Cunt, which go
together of course. A little accedental humor there. The reason that
Piss and Cunt are on the list is because a long time ago, there were
certain ladies that said "Those are the 2 I am not going to say. I
don't mind Fuck and Shit but 'P' and 'C' are out.", which led to such
stupid sentences as "Okay you fuckers, I'm going to tinckle now."
And, of course, the word Fuck. I don't really, well that's more
accedental humor, I don't wanna get into that now because I think
it takes to long. But I do mean that. I think the word Fuck is a very
imprortant word. It is the beginning of life, yet it is a word we use to
hurt one another quite often. People much wiser than I am said,
"I'd rather have my son watch a film with 2 people making love
than 2 people trying to kill one another. I, of course, can agree. It is
a great sentence. I wish I knew who said it first. I agree with that but
I like to take it a step further. I'd like to substitute the word Fuck for
the word Kill in all of those movie cliches we grew up with. "Okay,
Sherrif, we're gonna Fuck you now, but we're gonna Fuck you slow."
So maybe next year I'll have a whole fuckin' ramp on the N word.
I hope so. Those are the 7 you can never say on television, under any
circumstanses. You just cannot say them ever ever ever. Not even
clinically. You cannot weave them in on the panel with Doc, and Ed,
and Johnny. I mean, it is just impossible. Forget tHose 7. They're out.
But there are some 2-way words, those double-meaning words.
Remember the ones you giggled at in sixth grade? "...And the cock
CROWED 3 times" "Hey, tha cock CROWED 3 times. ha ha ha ha. Hey, it's in
the bible. ha ha ha ha. There are some 2-way words, like it is okay for
Kirk Youdi to say "Roberto Clametti has 2 balls on him.", but he can't
say "I think he hurt his balls on that play, Tony. Don't you? He's holding
them. He must've hurt them, by God." and the other 2-way word that
goes with that one is Prik. It's okay if it happens to your finger. You
can prik your finger but don't finger your prik. No,no.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Não te aflijas com a pétala que voa:
também é ser, deixar de ser assim.
Rosas verá, só de cinzas franzidas,
mortas, intactas pelo teu jardim.
Eu deixo aroma até nos meus espinhos
ao longe, o vento vai falando de mim.
E por perder-me é que vão me lembrando,
por desfolhar-me é que não tenho fim.

Desejo uma fotografia
como esta — o senhor vê? — como esta:
em que para sempre me ria
como um vestido de eterna festa.


Cecilia em três tempos. Vêm ai 25 anos.

terça-feira, 28 de julho de 2009

O INIMIGO VEM DE DENTRO

Eu leio isso:
IHAC oferece 400 componentes curriculares na matrícula
Data: 13/07/2009 Autor: Assessoria de Comunicação
O Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Milton Santos (IHAC) oferece 400 componentes curriculares dos Bacharelados Interdisciplinares (BI) nas matrículas do segundo semestre para alunos regulares da UFBA.
E isso:

Além desses componentes, os alunos do IHAC poderão cursar diversos componentes nos demais departamentos da UFBa. Tais CCs são denominados de “livres” e a relação completa está disponível na secretaria do IHAC (uma vez que são cerca de 400 CCs distribuídos entre os 4 BIs). Os estudantes do BI de Artes, que não cursaram “Políticas Culturais”, poderão fazê-lo neste semestre.

E fico me perguntando se não tem alguém querendo convencer o mundo de alguma coisa estratégica, passar uma mensagem cifrada, montar uma peça. Acho que estão é pregando uma peça.

Eu sou, por enquanto, aluno do BI de Humanidades da UFBA. Coisa fina. Ao todo, somos cerca de mil alunos, ajudando muito. Ai eu começo a me perguntar algumas coisas mais. 400 componentes curriculares? Esse curso não acaba nunca? 400 componentes curriculares? é uma disciplina pra cada dupla de alunos? 400? Não, claro que não. Uns 50, e oia oia. Não pra sacanear. Como tem pouco funcionario na matricula (mais do que em arquitetura) muitos alunos (menos que em letras, arquitetra, geologia etc etc etc) poucos computadores (mais do que em letras) poucos orientadores (mais do que...) e pouco tempo (o mesmo de qualquer curso), o Ihac pode ter se confundido e contado turmas como Componentes Curriculares... surpresa! Nem chega a 100, mas eu não contei.

Eu ia deixar passar, mas agora deram pra me tratar como o dono da carteira que assusta, e resolveram que eu sou o cristo a servir de exemplo. Vai me custar muito, mas eu não mudo de opinião. Não se assuste dindinha, é subliminar.




sábado, 4 de julho de 2009

Santanna - Caruaru

Antes era fazenda...
assim diz a lenda
de um velho mandacaru
hoje estais tão famosa
te vi na europa
num poster, Caruaru!

A saudade me trouxe
pra ver tuas noites
tão lindas de são joão
rever a velha moradia
que eu deixei um dia
de tras do portão

a tua paisagem me faz delirar
a lua no céu é bela como tu

estrela do agreste sempre vou te amar
no leste,no oeste,
no norte e no sul

seu mestre foi vitalino, Caruaru!
no barro fez teu destino,caruaru!


segunda-feira, 29 de junho de 2009

A França quer proibir a Burka

Vêtement ignoble, révoltant, inadmissible : ce défi à l'éternel féminin! Depuis que toute la presse en parle, depuis la légitime création d'une commission parlementaire, je me sens personnellement concernée et de plus en plus partie prenante.
[vestimenta ignóbil, revoltante inadmissível: este desafio ao "eterno feminino"! Desde que a imprensa adotou o assunto e o governo criou uma comissão parlamentar para debatê-lo, eu também me sinto parte dele]

Il y a peu, la vision de ces femmes provocatrices me laissait de glace. (Il faut dire que dans notre quartier, elles sont rarissimes.) Après tout, chacune d'entre nous, croyante ou non, intégriste ou non, est libre de se vêtir à sa guise. Mais trop, c'est trop : muettes, on les tolérait ; médiatisées, elles insupportent. Quand je vois ces femmes ainsi affublées, c'est la femme occidentale, la fiancée, l'épouse et la mère en puissance - la Femme tout court, éternel archétype - celle que je m'efforce et m'honore d'être, c'est cette femme qui souffre en moi et subis l'affront.
[Há algum tempo, a visão dessas mulheres provocadoras me deixariam petrificado (são raríssimas no meu bairro). Depois de tudo, cada uma de nós, cristã ou não, feminista ou não, é livre para se vestir como quiser. Mais exagero é exagero: mudas, nós as tolerávamos. Mediatizadas, são insuportáveis - humilham a mulher ocidental, a noiva, a esposa, a mãe - a mulher em si - esta mulher que vive em mim, que eu me esforço para ser e que sente a afronta.]
Certes, il y a d'autres tenues paradoxales dans notre univers laïc, d'autres insignes religieux, mais dans ce cas, le signe extérieur de croyance n'est pas mutilant, plutôt exaltant. En témoignent ces six oblates du Cœur Immaculé de Marie qui sont montées tout à l'heure dans mon compartiment à la station Jasmin.
[Certamente há outras vestes paradoxais no nosso universo laico, outras insígnias religiosas, mas nesse caso, o signo exterior de fé não é mutilador, é até exaltante. Vide as seis freiras do Imaculado Coração de Maria que subiram no vagão na estação Jasmim.]
Quel magnifique témoignage de vie ! Primo, ces religieuses n'étaient pas entièrement voilées, elles ; secundo, elles avaient l'air si heureuses et si épanouies, en un mot libres voire libérées ; tertio, si leur féminité apparaît, je le concède, un brin bridée (poitrine aplatie par la guimpe, sandales de corde, cartouchière en perles de buis à la ceinture...), ce n'est pas une mutilation mais une symbolique atténuation du féminin au profit d'un surcroît de décence et de Sens : hommage à leur Seigneur et Maître dont elles sont les chastes fiancées et les servantes zélées. Ce qu'a d'ailleurs très bien compris notre Président au Latran : « Dans la transmission des valeurs et dans l'apprentissage de la différence entre le bien et le mal, l'institutrice ne pourra jamais remplacer la religieuse ou la catéchiste ! »
[Que magnífico testemunho de vida! Primeiro, o véu não era completo, segundo, elas possuíam um ar feliz e sereno, diga-se levres ou mesmo libertadas, terceiro, se a mulher aparece nelas, é sutilmente atenuada, signo de sua fidelidade a Jesus, de quem são noivas e zeladoras. Como diz o nosso Presidente em Latran: na transmissão de valores e no aprendizado da diferença entre o bem e o mal, uma professora jamais substituirá uma freira ou uma catecista!]
Mais ces femmes-là, non, non et non ! Tenue trop castratrice pour la Grâce féminine qui devrait pouvoir, de la tête aux pieds, tel un ostensoir vivant, être montrée d'une manière naturelle, sans cette pièce de vêtement qui La dénature et La caricature. Le plus inquiétant pour notre vivre ensemble, c'est que ces femmes de moins en moins minoritaires, étrangement dès que survient l'été, ne semblent pas gênées par nos regards désapprobateurs. Elles vaquent à leurs occupations en coulant un regard oblique. Sans doute s'imaginent-elles que leur tenue monstrueuse est devenue banale en devenant tendance ; que la sincérité du cœur et la liberté intérieure peuvent servir en France de laissez-passer ! Elles ont tort, elles aggravent leur cas, elles sont non seulement inquiétantes mais dangereuses car, même si elles se sentent nues sans cette tenue, elles ne peuvent impunément bafouer leur dignité de Femme en contresignant par leur emblème vestimentaire leur propre esclavage et leur statut ancillaire.
[Mas essas mulheres aí, não e não! Castração da graça feminina, que deveria poder aparecer dos pés à cabeça, como um estandarte vivo, de maneira natural, sem essa peça de roupa que a degenera e estereotipa. O mais inquietante para os que vivem em sociedade é que essas mulheres são cada vez menos minoritárias, e estranhamente, quando chega o verão, não se sentem incomodadas pelo nosso olhar desaprovador. Sem dúvida, imaginam que sua roupa monstruosa se tornou banal por ser uma tendência; que a sinceridade do coração e a liberdade interior podem servir de salvo conduto na França! Elas estão equivocadas, e agravam sua situação: não são somente inquietantes, mais perigosas pois, se se semtem nuas sem essas roupas, não podem debochar impunemente de sua dignidade feminina assinando pela vestimenta a escravidão e o estatuto de mulher inferiorizada.]
Certes, je sais que si une loi interdisait ce genre de vêtement, ces femmes vivraient recluses chez elles. Mais qu'importe si notre morale républicaine est sauve ! J'ai cinq enfants, je suis fidèle pratiquante mais très tolérante, que puis-je leur dire lorsqu'ils s'enfuient en hurlant de peur ? Ou sont troublés, surtout mes garçons qui ne les lâchent pas des yeux. Qu'imaginent-ils ? Qu'entrevoient-ils de l'étroite fente où palpite leur mystère ? À l'évidence, nos jeunes sont choqués. Plus qu'un choc de civilisation, un viol de leur structuration. C'est donc ça une femme ?! Pire, Adélaïde, notre aînée, m'a suffoquée quand, à la vue de ces zombies, elle m'a avoué être tentée par ce genre de tenue décalée. Un must, disait-elle ! Hier encore invisibles ici, il a fallu une seule d'entre ces femmes pour provoquer chez nous une crise identitaire et un véritable séisme familial !
[Certamente, acredito que se uma lei proibisse esse gênero de vestimenta, essas mulheres viveriam reclusas em suas casas. Mas o que isso importa, se nossa moral republicana for salva! Tenho cinco filhos, sou praticante fiel mas tolerante, o que posso dizer quando eles fogem gritando de medo? Ou ficam atormentados, sobretudo os meus garotos, que não as perdem jamais de vista? O que eles imaginam? O que podem entrever pela estreita fenda onde palpita o mestério? Evidentemente, nossos jovens estão chocados. Mais que um choque de civilização, uma violação de sua estruturação. Será isto uma mulher?! Pior, Adelaide, nossa filha mais velha, me sufocou quando me disse que se sentia tentada por esse tipo de roupa deslocada. Um must, disse ela! Ontem invisíveis, hoje basta uma única representante dessas mulheres para provocar entre nós uma crise de identidade e um terremoto familiar!]
C'est pourquoi je demande un referendum, je lance sur la toile une pétition, j'assiège dès demain la permanence de mon député. D'ailleurs, Notre Guide Bien-aimé ne vient-il pas de rappeler à Versailles qu'une telle tenue ici n'est pas la bienvenue ? Oui, pour la survie de nos valeurs, pour l'édification de nos filles et de nos fils, mobilisons-nous toutes et tous afin que, dans la France de 2009, patrie de la Parité, sur la voie publique, partout et toujours, soient désormais prohibés et sévèrement sanctionnés par le législateur ces deux accessoires féminicides du prêt-à-peloter : le piercing au nombril et cette diabolique jupette dénommée Haraduku.
[Por isso eu peço um referendo, jogo na web uma petição, eu exijo desde amanhã a ação do deputado em que votei. Nosso presidente não disse em Versailles que sse tipo de roupa não é bem-vindo na França? Sim, pela perseverança dos nossos valores, pela edificação de nossas filhas e filhos, mobilizemo-nos todos a fim de que, na França de 2009, pátria da igualdade, na via pública, em todos os lugares e sempre, sejam daqui pra frente proibidas e severamente punidas pela lei esses dois acessórios femicidas do prêt-a-tirar: O piercing no umbigo e essa coisa diabólica chamada micro-saia.]Michel Bellin, para o Lemonde

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Air France 447 Rio-Paris

Por que entre tantos perigos, tantos riscos, tantos segredos... Eu penso no primo da Princesa? Pedro Luís, quarto na linha sucessória, descendente de Dom Pedro II, ia naquele avião. Iam duzentas e trinta e oito pessoas naquele avião, de muitos cantos do mundo, muitos sonhos, projetos, muitas direções. 32 países perderam seus filhos. Minha solidariedade a todos os que se sintam tocados por essa perda. Penso em muitas coisas, nas vezes cada vez mais frequentes em que subo em aviões, nas poucas e inevitáveis vezes em que senti as turbulências ali no norte do Brasil. E penso que havia um Príncipe, herdeiro ou de mentira, inexplicavelmente penso nisso.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Deixai falar as telefonistas


Todos conhecemos este fenômeno da língua que transforma em vilãs do bem dizer as telefonistas: o gerundismo e o "vou estar fazendo". é feio, é ruim de ouvir, não corresponde ao uso erudito da lingua portuguesa... mas não é caso de irmos à fogueira com as profissionais do atendimento por telefone. Vamos ao gramático. Não sou linguista, nem normativista. No devido momento, guardo os plurais e os gêneros, os pronomes de tratamento, enfim, sou um falante instruído e procuro valorizar o uso adequado do nosso idioma querido sempre que posso. é por isso que minha tentativa de ajudar a compreender a adoção do gerundismo pelas telefonistas se baseia em poucos e singelos argumentos. O primeiro é de que sim, o gerúndio existe em nossa língua, e sim, existe na forma flexionada. Vou escrever demonstrando isso. Viram? infinitivo mais gerúndio. escrev[er] demonstra[ndo]. O jogador do Bahia jogou mancando todo o segundo tempo. indicativo mais gerúndio. Faça sorrindo. Claro, nesses exemplos o gerúndio ajuda um verbo a modificar outro, funcionando como adverbio. jogou como? jogou mancando. fez como? sorrindo. Ao caso. Estar passando. Como eu poderia utilizar essas duas coisas de naturezas distintas assim, lado a lado? estar-passar? Nesse instante, gostava de estar passando sob a ponte Vasco da Gama, ouvindo cantar o fado em Alfama. Não me telefone na semana que vem, estarei viajando. Não posso falar, estou dirigindo. Estou vendo. Vejo. Sim, é possível reduzir quase tudo a uma forma verbal mono-palavra. Não posso falar, dirijo. Não me telefone, viajarei. Não fica tão bem com o "na semana que vem". Acho que fica estranho fugir ao gerúndio quando o que se quer é determinar algo em um espaço de tempo. Do dia dois ao dia dez, estarei [vou estar] viajando. Depois, retomamos as aulas. Enfim, o gerúndio existe e pode ser concertado em alguns contextos. Concerto, com c de conjunto. Esse foi o argumento um. O argumento dois: as telefonistas existem, como existem os advogados. O advogado, a pedido nosso, entra com um processo, processa alguém. Na verdade, ele entra com papéis num prédio onde, apresentados esses a um escrivão ou equivalente, formam um processo. Ele, então, sai com o processo. Peticionam, representam. Assim como existem os médicos que punçam e suturam, auscultam e prescrevem. Advogados, médicos, técnicos de informática, sociólogos e filósofos são agentes sociais qualificados, com conhecimentos especiais divididos entre diferentes problemas que podem acometer a sociedade. Isso porque têm junto à sociedade uma autoridade reconhecida. Não se discute com o técnico: formata-se o disco que afinal não é disco, que fosse, ainda assim seriam formatados os dados, não o disco. Mas não se discute. O médico poderia escutar os batimentos, conta-los, marca-los. Mas auscultam o paciente, ali, coitado, impacientissimo. Acontece que a sociedade os respeita, mas não podem suportar as suas secretarias que estarão marcando suas consultas ali a um segundo. Não importa que a falta de provas possa estar dificultando o convencimento do júri quanto à veracidade do álibi, a atendente não pode estar passando. Ela não pode reinventar a língua, quem é ela? é preciso erradicar isto. Erradiquemos o imbu, o resisto, o ejécicio, a direitoria, o dezanove. Vamos permanecer guardando a nossa língua evitando os estrangeirismos que querem defenestra-la do mais alto arranha-céu. Façamos, façamos, mas deixemos por ultimo as telefonistas, deixai falar as telefonistas até que tudo o mais esteja resolvido, porque as telefonistas, coitadas, não podem nem mijar como toda a gente, não podem gripar como toda a gente, não podem desistir como toda a gente. As telefonistas estão sendo forçadas a erro. Este foi o segundo argumento: o de que as telefonistas fazem com a língua o que fazemos os administradores, fazem os advogados e os bombeiros: Falam como podem e escutam. Escrevi esse post - tadam! - com meu teclado azerty que revoluciona sozinho todos os acentos e sinais gráficos. Se corrigisse tudinho ficaria bom, mais com os erros é melhor para que os corações apressados digam que Não sabe escrever, como quer defender as telefonistas. Escrevi pensando em André, que esta sendo doutrinado para um concurso publico, em Biagio, que me mandou faz tempo um e-mail defendendo o bom combate do gerundismo, em meus colegas que estão estudando Língua Portuguesa e Poder no IHAC e se veem obrigados a formar trincheiras. Escrevi para salvar o imbu, mbu, bu, um real o saco. Escrevi sabendo que meu ouvido trinca ao telefone com o sotaque da telefonista, mas muito mais porque ela não me deixa falar, não pode me deixar falar e nem fugir às falas do seu roteiro. Escrevi pensando que a língua é uma dimensão social e por isso não se pode ser nazilinguista. Os pobres, os técnicos, os que jamais serão empregados, todos temos a aptidão inata da fala. E erramos porque falamos, Antonieta, não têm pão as gentes. Escrevi para me solidarizar com eles, André, Biagio, meus colegas, querendo que mude o mundo e que defendam a nossa flor do Lacio, mas lembrando que ela é inculta e bela, inculta e bela, inculta e bela. A língua somos nos, mudemos o modelo e o reflexo mudará.





mapinha so para ficar refletindo

quarta-feira, 22 de abril de 2009

{Gentrificação é quele processo de esculhambar com tudo para que todos se mudem, depois readaptar e vender tudo pelo quintuplo do preço, com iptu, moradores e taxas e serviços de classe alta. Os cartazes são de um movimento madrileño contra um projeto dessa natureza.
Você, Soteropolitano, pensa aí no Pelô e no Santo Antônio.}

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Os não-lugares

Os não-lugares é um conceito proposto por Marc Augé, antropólogo francês (Orientador do meu professor do BI), para designar um espaço de passagem incapaz de dar forma a qualquer tipo de identidade.

Para fundamentar este novo conceito, Marc Augé começa por discutir a capacidade da antropologia, tal como a conhecemos, em analisar e interpretar a sociedade actual.Decide por isso construir a noção de supermodernidade que se diferencia da pósmodernidade, na medida em que esta última é «concebida como a adição arbitrária de traços aleatórios» ao passo que a supermodernidade releva de 3 figuras de excesso:

a) excesso de tempo por efeito da aceleração da história em que tudo se tornou acontecimento e que, por haver tantos acontecimento, já nada é acontecimento. Por isso, organizar o mundo a partir da categoria tempo deixou de fazer sentido.

b) Excesso de espaço por efeito da mobilidade de pessoas, bens, informações, imagens, o planeta se ter encolhido, e sentirmo-nos implicados em tudo, mesmo nos lugares mais remotos

c) Excesso de individualismo por efeito do enfraquecimento das

referências colectivas, e porque as singularidades ( dos objectos, grupos) organizam cada vez mais a nossa relação com o mundo.

Augé define o lugar, enquanto espaço antropológico, como um espaço identitário, relacional e histórico.

O não-lugar será então um lugar que não é relacional, não é identitário e não histórico. As auto-estradas, os aeroportos, as grande superfícies são exemplos de não-lugares.

Mas também «campos de refugiados, campos de trânsito, grandes espaços antes concebidos para a promoção do mundo operários e tornados insensivelmente o espaço residual onde se encontram os sem abrigo e sem emprego de origens diversas: por toda aparte espaços inqualificáveis, em termos de lugar, acolhem, em princípio provisoriamente, aqueles que as necessidades do emprego, do desemprego, da miséria, da guerra ou da intolerância constrangem à expatriação à urbanização do pobre ou ao encarceramento» ( Marc Auge, in Le Sens des Autres,1994, pgs 169Os não-lugares são povoados de «viajantes» ou «passeantes» em trânsito.

Viajam, solitários, nesses espaços de ninguém. São não-lugares livres de identidades.No fundo, os não-lugares revelam uma nova forma de viver o mundo. Mas o retorno ao lugar pode ser o sonho dos que frequentam os não-lugares.
Ler:Augé,Marc (1994) Não-lugares: introdução a uma antropologia da modernidade, Lisboa, Bertrand editora - Disponível na Biblioteca Central da Ufba, e em Arquitetura também!

O NÃO-LUGAR DA ESCRITURA: UMA LEITURA DE ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA, DE JOSÉ SARAMAGO

Shirley de Souza Gomes Carreira - Universidade do Grande Rio

[A autora tem todo o direito de solicitar a remoção do texto, que está reproduzido como aparece em http://sincronia.cucsh.udg.mx/onao.htm]

Por ser uma das formas de expressão cultural de um povo, a literatura, na maioria das vezes, busca a sua referência no que Marc Augé denomina " lugar antropológico"(1). Em Ensaio sobre a cegueira, José Saramago desconstrói as referências típicas desse lugar, que confere ao homem uma identidade, define sua relação com o meio, bem como o situa em um contexto histórico.
No romance em questão, surpreende-nos a ausência das marcas usuais da historicidade. Não há sequer uma referência temporal que nos permita dizer com segurança em que momento histórico o mundo ficcional deve ser inserido. No entanto, a própria ausência de marcadores temporais permite- nos fazer reflexões acerca do seu significado. A percepção do tempo se faz sentir apenas na memória das personagens e nas observações do narrador. No continuum do tempo, o passado do qual as personagens se recordam é o conjunto de atitudes e valores que incorporavam antes da cegueira e sob esse aspecto o passado e o presente são julgados um à luz do outro na diegese.
Não se pode dissociar a ausência de referentes temporais da ausência de referentes espaciais. Numa perspectiva historicista, a definição do tempo e do espaço se faz essencial, mesmo porque os métodos da historiografia assim o exigem. No entanto, o olhar que o pós-modernismo lança ao passado ultrapassa as barreiras formais da história. Especificamente, a atitude pós-moderna consiste em tecer leituras do passado, tomando por parâmetro a consciência de que o conhecimento que se tem dele nada mais é do que a textualização das impressões humanas acerca dos eventos.
Ao criar um texto em que essas marcas de identificação espácio-temporal revelam-se enfraquecidas, Saramago faz dele um espelho onde o leitor poderá mirar-se e refletir sobre o seu papel, enquanto cidadão do mundo, na construção da história da humanidade.
A supressão da identidade a partir do nome está associada à cegueira que se espalha. As personagens são identificadas por outros meios: pelas profissões que exerciam antes de ficarem cegas, pelas relações de parentesco ou por traços físicos marcantes. Ao assumirem que os nomes são desnecessários ao seu relacionamento no manicômio, as personagens deixam implícita a trajetória que terão de seguir, na descoberta dolorosa do eu e do outro.
Do ponto de vista da historiografia, dado o esbatimento dos três conceitos inerentes à compreensão histórica— o tempo, o espaço e a identidade- a história do romance é impossível de se situar. Tentaremos, no entanto, mostrar que é exatamente essa impossibilidade que faz do romance um retrato tão contundente da condição humana.
No universo ficcional, à exceção da mulher do médico, todas as personagens temem muito mais a revelação do que realmente são do que a sensação de impotência causada pela cegueira.
A mulher do médico disse consigo mesma, Comportam-se como se temessem dar-se a conhecer um ao outro. Via-os crispados, tensos, de pescoço estendido como se farejassem algo, mas, curiosamente, as expressões eram semelhantes, um misto de ameaça e de medo, porém o medo de um não era o mesmo que o medo do outro, como também não o eram as ameaças. ESC, 49
Com o passar dos dias, as máscaras sociais deixam de ser importantes e necessárias na instância de vida dos cegos na camarata. Os códigos sociais, assim como os nomes, começam a se perder em um microcosmo governado pelos sentidos:


Tão longe estamos do mundo que não tarda que comecemos a não saber quem somos, nem nos lembrámos sequer de dizer-nos como nos chamamos, e para quê, para que iriam servir- nos os nomes, nenhum cão reconhece outro cão, ou se lhe dá a conhecer, pelos nomes que lhes foram postos, é pelo cheiro que identifica e se dá a identificar, nós aqui somos como uma outra raça de cães, conhecemo- nos pelo ladrar, pelo falar, o resto, feições, cor dos olhos, da pele, do cabelo, não conta, é como se não existisse, eu ainda vejo, mas até quando. ESC,64


Em Não-lugares, Marc Augé analisa a relação do homem com o espaço, a questão da identidade e da coletividade. Ele designa "não-lugar" todos os dispositivos e métodos que visam à circulação de pessoas, em oposição à noção sociológica de "lugar", isto é, à idéia de uma cultura localizada no tempo e no espaço. Segundo Augé, os espaços em que vivemos carecem de uma reavaliação, pois "vivemos num mundo que ainda não aprendemos a olhar"(2). Não há como deixar de perceber a analogia entre a posição de Marc Augé e a epígrafe escolhida por Saramago: "Se podes olhar,vê. Se podes ver, repara."
Ao analisar as relações entre o homem e o seu grupo social, Augé nos alerta para o fato de que a organização e a constituição de lugares são um dos desafios e uma das modalidades das práticas coletivas e individuais. As coletividades têm necessidade de pensar, simultaneamente, a identidade e a relação e de simbolizar os constituintes das diferentes formas de identidade: da identidade partilhada- pelo conjunto de um grupo; da identidade particular- de um grupo ou de um indivíduo ante outros- e da identidade singular- naquilo em que um indivíduo ou grupo difere de todos os outros. Os questionamentos suscitados pela condição das personagens do Ensaio sobre a cegueira advêm da desconstrução e posterior construção desses conceitos.
A ausência de marcadores temporais e espaciais na narrativa e a própria cegueira das personagens reforçam a idéia do não-lugar. Todas as antigas raízes, que marcam o lugar antropológico- que pretende ser identitário, relacional e histórico- são desfeitas.
Assim, o lugar antropológico- cultural e espácio-temporalmente definido, é substituído pelo não-lugar, pela provisoriedade da subsistência nas camaratas, pela redução dos códigos de convivência social a um estado de barbárie, em que será preciso aprender a viver de novo, a construir novos parâmetros para a identidade e a relação. A cegueira branca é descentralizadora; não privilegia classes:


Aqui não há só gente discreta e bem-educada, alguns são uns mal- desbastados que se aliviam matinalmente de escarros e ventosidades sem olhar a quem está, verdade seja que no mais do dia obram pela mesma conformidade, por isto a atmosfera vai se tornando cada vez mais pesada... ESC,99


A babel de indivíduos de naturezas tão distintas quanto às suas origens dá à mulher do médico a impressão de que as distâncias que separam os seres no mundo exterior se encurtaram e a diversidade de problemas que afligem os homens se resumiu no instinto de sobrevivência. Essa impressão se resume a uma frase: " O mundo está todo aqui dentro" (ESC, 102).
É precisamente esse instinto primordial do homem que revela aos cegos que nesse mundo em que agora vivem as máscaras sociais se fazem desnecessárias; o homem é o que é. Assim, ante a necessidade de estabelecer uma ordem na distribuição da comida, a fim de evitar trapaças, e mediante a afirmação de um dos cegos de que estão a lidar com gente honesta, alguém retruca:

"Ó cavalheiro. O que somos de verdade aqui é pessoas com fome" (ESC, 102).

É relevante observar, no entanto, que, no não-lugar, recompõem-se alguns lugares, até porque os lugares evocados pelos ritos da memória, onde se encontram inventariados, nunca se apagam completamente, assim como o não-lugar nunca se realiza totalmente. Graças à reconstituição das relações humanas, ainda que sob novos códigos e regras, o não-lugar é impedido de existir numa forma pura.
É a existência do não-lugar, a redimensão das relações humanas que põem o indivíduo em contato com outra imagem de si próprio e do outro. A individualidade absoluta torna-se impensável, uma vez que há uma alteridade complementar que é constitutiva de toda individualidade. Já não se pode pensar o eu sem a figura do outro. O eu individual passa a ser um dos elementos da identidade partilhada; está condicionado ao grupo ao qual pertence. É através da identidade partilhada que os cegos da primeira camarata reconstroem algo do lugar antropológico.


Também não surpreenderá que busquem todos estar juntos o mais possível, há por aqui muitas afinidades, umas que já são conhecidas, outras que agora mesmo se revelarão(...) É contudo certo que nem todas essas afinidades se tornarão explícitas e conhecidas, seja por falta de ocasião, seja porque nem se imaginou que pudessem existir, seja por uma simples questão de sensibilidades e tacto. ESC, 67


O espaço do não-lugar liberta aquele que lá penetra das amarras de sua vida habitual, a tal ponto que , enquanto "passageiro" desse não-lugar, pode até mesmo ser capaz de gozar, momentaneamente, as alegrias passivas dessa desidentificação com o eu. Assim o ladrão do carro, em meio às dores do ferimento na perna, encontra prazer na autodescoberta, isto é, aprende a ver:


Assombrava-o o espírito lógico que estava descobrindo na sua pessoa e o acerto dos raciocínios, via-se a si mesmo diferente, outro homem, e se não fosse este azar da perna estaria disposto a jurar que nunca em toda a sua vida se sentira tão bem. ESC, 79


A "presença do passado" no presente expressa-se numa polifonia em que o velho e o novo se cruzam, na evocação de uma temporalidade contínua. Ao mesmo tempo que as personagens evocam os lugares da memória, substitutos para o lugar antropológico do qual já não fazem parte, as citações e provérbios que entrecortam a narrativa são a evocação de lugares antropológicos diversos, dos quais o romance, em sua aparente ausência de espácio-temporalidade, não se afasta na realidade.
Isso se dá, antes de mais nada, porque o lugar se concretiza pela palavra. Se a troca de palavras ocorre entre pessoas no nível de uma intimidade cúmplice, algo do lugar antropológico pode ser recuperado e reordenado. Claro está que as citações surgem invertidas, como a destituírem-se de um caráter absoluto, desprovendo a si mesmas de sentido. Essa inversão é metafórica. No esvaziamento do sentido, ela exibe a cegueira da palavra. Há que gerar comportamentos verbais que se coadunem com esse novo padrão de existência.


Já lá dizia o outro que na terra dos cegos quem tem um olho é rei. Deixa lá o outro, Este não é o mesmo, Aqui nem os zarolhos se salvariam(...) O outro também dizia que quem parte e reparte e não fica com a melhor parte , ou é tolo, ou no partir não tem arte, Merda, acabe lá com o que diz o outro, os ditados põem -me nervoso. ESC,103


A luta da mulher do médico para que os cegos da primeira camarata não se entreguem à barbárie não é uma apologia do passado, do "mundo civilizado" que conheciam, como pode parecer à primeira vista, mas o contraponto que há de evidenciar os sentimentos, as modulações de sentido, que nortearão as relações entre os cegos a partir da quarentena- a longa jornada do aprendizado da visão.
Segundo Augé, o que nós procuramos, na acumulação religiosa dos testemunhos, dos documentos, das imagens, de todos os signos visíveis do que foi(...) é a nossa diferença, a nítida revelação de uma identidade perdida
(3).
Saramago faz uso de um recurso tipicamente pós-moderno ao confrontar os princípios de civilização que os cegos conheciam com aqueles que são levados a construir. Instaurando e subvertendo situações, o autor deixa entrever no texto interrogações que encenam o paradoxo pós-moderno de ser ao mesmo tempo cúmplice e crítico das normas predominantes.
Se o romance faz eclodir a revolta do leitor ante a torpeza das atitudes dos cegos das outras camaratas, cada qual envolvido com sua própria subsistência, e, mais tarde, fazendo uso da comida como instrumento de poder, também leva o leitor à reflexão de que esses instintos que parecem tão torpes na ficção são os mesmos que disfarçamos no dia-a-dia de homens civilizados.
O fio condutor do romance é a cegueira que leva não só as personagens como também o leitor a refletirem sobre as relações entre o individual e o coletivo, erguendo o véu do nosso desconhecimento. A cegueira branca, que ilumina ao invés de lançar nas trevas os que a contraem, é o símbolo do discurso da perplexidade.
Em um mundo, no qual já não se crê nas "narrativas -mestras", no discurso homogeneizante da modernidade, há que pensar a diferença. Se por um lado o pós-modernismo reconhece que os discursos são instrumento de poder, que enunciam "verdades", graças a sua capacidade de moldar práticas, por outro lado, o discurso pós-moderno é problematizante, inquiridor. Longe de apontar soluções, o pós-modernismo nos faz refletir criticamente sobre o passado e o presente.
O desfecho de Ensaio sobre a cegueira não é um discurso legitimador, pois não aponta soluções ou direções para a evolução do homem; sequer advoga para si a verossimilhança. Muito embora o romance revele-se, ao final, detentor de um discurso moralizante, que se coaduna com a proposta do romance, isto é, fazer ver a quem tem olhos, nenhum modelo nos é fornecido para que possamos atingir esse fim. Este é um percurso que o leitor há de fazer sozinho.
Assim como as personagens, o leitor é "passageiro" no não-lugar que a escritura encena. Aos cegos que encontra pelo caminho, a mulher do médico afirma: "Só estamos de passagem" (p.215). O escritor que passa a viver na casa do primeiro cego, igualmente, afirma: "Estou de passagem" (p.278). Esse alter-ego do autor que "inscreve palavras na brancura do papel", à guisa de sinais da sua passagem, diz à mulher do médico palavras que parecem ecoar do mundo extradiegético, onde autor, narrador e leitor transitam, como um apelo : "não se perca, não se deixe perder". Apelo este que se quer prolongamento da epígrafe: veja, não se deixe cegar.
A reflexão do narrador acerca da inutilidade da memória nessa trajetória pode ser depreendida no exemplo a seguir:

(...)é que não há comparação entre viver num labirinto racional, como é , por definição, um manicómio, e aventurar-se, sem mão de guia nem trela de cão, no labirinto dementado da cidade, onde a memória para nada servirá, pois apenas será capaz de mostrar a imagem dos lugares e não os caminhos para lá chegar. ESC,211


Se não há modelos a serem seguidos e se o referencial do nome e do lugar já não são suficientes, cabe ao leitor, assim como às personagens, traçarem individualmente a sua trajetória. A nova identidade é construída a partir de um novo pensar coletivo.
Sob esse aspecto o desfecho se aproxima da proposta da pós-modernidade: questionar os sistemas e os postulados totalizantes por meio do paradoxo, buscando a identidade na diferença. A par do conteúdo moralizante, do formato convencional, o desfecho de Ensaio sobre a cegueira não contraria a proposta pós-moderna, uma vez que o pós-modernismo, dada a sua característica de atuar dentro dos sistemas que subverte, não constrói paradigmas. Não há um modelo pós-moderno a ser seguido e sim um conjunto de estratégias mais ou menos freqüentes que sugerem o que se convencionou chamar pós-modernismo
(4).
No plano da diegese é no não-lugar, isto é, no percurso que os cegos fazem desde a quarentena até o desfecho do romance, que as contradições da natureza humana se revelam e são experimentadas. No plano da narração, por ser espaço transitório do pensamento e da reflexão sobre o romance enquanto obra de arte, onde as estratégias novas e antigas se encontram, onde passado e presente se cruzam no ato constante de recriar, a escritura revela-se o locus onde, por meio da exposição do caos, o leitor é convidado a repensar o mundo em que vive.
O texto de Marc Augé, ao qual fizemos referência em boa parte de nossa análise, esclarece-nos quanto ao olhar que lançamos ao passado, quanto ao modo pelo qual revolvemos os resquícios do passado como uma maneira de manter vivo o lugar antropológico do qual fazemos parte. Mais do que isso, esse texto nos chama atenção para o fato de que o habitante do lugar antropológico vive na história, não faz história. É no lugar da memória, contrapondo passado e presente, que construímos a nossa diferença.
O Ensaio sobre a cegueira, conforme pudemos observar, não é de modo algum desistoricizado. Ele incorpora a história da arte e a história do homem sem que, para isso, necessite de marcadores temporais ou espaciais.
O descentramento do sujeito, a multiplicidade de vozes e o discurso intertextual sugerem um deslocamento ainda maior, na direção da pluralidade e da heterogeneidade que são as marcas do pós-moderno. O tema que norteia o romance, a questão da alteridade, está em consonância com a retórica pluralizante do pós-modernismo.
E se essa
escritura nos parece tão diferente, a ponto de nos causar estranheza, que nos sobrevenha à mente a lição de Foucault: "somos a diferença, nossa razão é a diferença dos discursos, nossa história é a diferença das épocas, nossos eus são a diferença das máscaras"(5). Essa diferença não pode nunca ser vista como um obstáculo para a compreensão do mundo, pois é o retrato mais fiel do que somos e do que fazemos.

[ Bem, estudar é fazer essas ligações do que sempre esteve aqui à volta, ir buscando, levantando as pedras, mirando nas frestas, religando. Rá!]